Evandro Carlos, natural de Araxá, também se dedica a projeto social que transforma a vida de jovens e crianças
Uma provocação despretensiosa, sofrida ainda quando era criança, foi uma das maiores motivações para que o mineiro Evandro Carlos da Silva, começasse uma carreira de inúmeras conquistas dentro do taekwondo.
Na verdade, suas vitórias foram enumeradas, uma por uma, com todas sendo computadas em busca de um recorde histórico para o atleta de Araxá, no Alto Paranaíba mineiro. Com 42 anos e 437 troféus, pódios e medalhas, ele tem a meta de chegar aos 50 anos com 500 conquistas que sejam o significado de uma história de superação, que segue dando exemplos até hoje para os mais novos.
“Lembro que, em 1989, eu ia para a casa de um amigo para me alimentar e assistir televisão. Minha mãe saía para trabalhar, éramos cinco irmãos e não tínhamos condições financeiras. Na Rede Manchete, via um programa de taekwondo que gostava muito. Falei para o meu amigo que, um dia, ia fazer aquele esporte. Ele riu e comentou que, se a minha mãe não tinha dinheiro nem para comprar uma televisão, como ia pagar as aulas? Aquilo para mim foi um desafio. Eu falei que um dia eu ia provar, que ia trabalhar e conquistar aquele esporte. Isso ficou bem marcado na minha vida até hoje, mas foi uma forma de incentivo também”, lembra Evandro, que começou nos tatames no judô antes de migrar para a modalidade que lhe deu quase tudo na vida.
Até chegar à realidade de conquistas, Evandro batalhou e sempre fez sua parte, construindo um tijolo de cada vez antes do castelo de medalhas ser formado. “Comecei a trabalhar, vender picolé, guardar carro. Conheci o Múcio Cardoso dos Santos, ele tinha uma loja de meias na cidade e e me direcionou no mundo das lutas. Eu fazia faxina e vigiava a loja e ele me colocou no judô. Eu tinha uns dez anos. Como não sabia o nome do taekwondo, ficava no judô esperando os gritos e golpes que eu via na televisão. Um dia, estava indo embora de uniforme e, na mesma rua do judô, ouvi uns gritos em um cômodo pequeno. Lá, conheci o taekwondo, o esporte que tinha visto na televisão. Saí do judô e fui para o taekwondo. Entrei em 1989 e minha primeira competição foi em 1990. Isso foi muito marcante para mim e uma forma de incentivo para estar até hoje praticando a atividade”, revela.
Evandro mostrou potencial para a série de troféus desde muito cedo, quando participava de torneios em categorias mais altas. O que pode pesar a seu favor são as diferentes categorias de cada torneio, que permitem que ele sai do campeonato com mais de uma recordação palpável.
“Tenho mais oito anos para conquistar os 63 títulos que faltam para chegar aos 500. Há uma média de dez competições anuais. Todo evento que participo, procuro competir em duas ou três categorias entre forma (Poomsae), saltos e luta. Eu domino mais o combate e tenho chances de trazer até duas medalhas por campeonato. Minha meta é participar de todos os eventos da federação mineira e da confederação brasileira nos próximos oito anos”, destaca.
Uma barreira que aparece no caminho de Evandro é a pandemia, que fez competições serem suspensas em 2020 e com o calendário de 2021 ainda em stand by. A aproximação e contato dos atletas, além dos gritos durante as disputas, fazem com que a precaução seja máxima antes da liberação de novos eventos. Até lá, algumas disputas online na categoria Poomsae, que se refere a um conjunto sequencial de movimentos típicos representando uma luta contra um oponente imaginário.
Nos tatames, Evandro não se esquece de algumas das maiores vitórias. “Lembro com muito carinho do meu primeiro título porque era meu início no taekwondo no mundo das competições. Ter ido para a Coréia, em 2002, conhecer o berço da modalidade, também foi uma vitória. Fiquei lá 44 dias conhecendo, treinando e competindo. Trouxe duas medalhas de campeonato aberto”, lembra.
“Todos os eventos que participo são bem vindos. Vencer não é ficar em primeiro lugar e sim sair de cabeça erguida, aproveitar da melhor maneira possível o momento”, agradece.
Transformando a vida de novos talentos
A origem humilde e a consciência do poder de transformação que o taekwondo teve em sua vida sempre alimentou, em Evandro, a vontade de retribuir o que o esporte lhe deu. Assim que foi possível, ele montou um projeto social ‘Taekwondo: inclusão e superação’ para dar chance parecida para jovens e crianças se afastarem dos perigos das ruas e focarem em algo saudável e proveitoso, que poderia fazê-los ver a vida de uma maneira positiva.
“Fizemos os primeiros projetos sociais em 1999. Atendíamos 50 famílias, pedíamos donativos para fazer cestas básicas. Quem frequentava a academia, acompanhava palestras educativas sobre o combate às drogas. Já tive aluno que chegou a ser traficante e, através do taekwondo, hoje é formado em Educação Física e possui faixa preta de taekwondo. O esporte modifica, eu tive muitas dificuldades e hoje eu me sinto na obrigação de fazer algo para a sociedade”, pontua.
O crescimento do projeto foi acompanhado de perto por algumas empresas, que resolveram apoiar e fomentar a iniciativa para seguir dando frutos. Entre os que ajudam a iniciativa, está a CBMM, de Araxá. O trabalho, que atendia 600 crianças (o número chegou a ser de 1.000), foi paralisado em virtude de pandemia, aguardando autorização dos órgãos de saúde para voltar à ativa.
Entre os beneficiados, estão alunos de seis escolas de Araxá, além de jovens de CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). O alto número de interessados faz Evandro ter um critério de seleção, levando em conta o desempenho escolar dos jovens, além da sua disciplina e aptidão para bons resultados, tirando proveito da estrutura que o projeto oferece.
Os alunos do projeto tentam usufruir das oportunidades de conhecer outros lugares e se desenvolver na modalidade, tendo na iniciativa a chance de descobrir um novo mundo.
“Nosso propósito é afastá-los do mundo das drogas e mostrar que, com o esporte, é possível conviver com outras pessoas e mudar a forma de pensar e de agir. É muito bom porque cada vez que você disputa e conhece outra cidade ou outro país, dá mais vontade de conhecer o mundo”, reflete o professor, faixa preta e formado e pós-graduado em Educação Física.
Ao todo, seis pessoas trabalham no projeto, contando com fisioterapeuta, psicopedagoga e um responsável pela prestação de contas do projeto.
“A gente não aplica somente a técnica de luta, mas também os fundamentos do taekwondo, como cortesia, integridade, perseverança, autocontrole e espírito indomável. Fico feliz que os alunos valorizam a oportunidade que estão recebendo. A única tristeza é vermos histórias pesadas, de famílias que mexem com tráfico, meninos que já foram aliciados, isso nos entristece muito”, lamenta.
C/ O Tempo