Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da UFMG aponta aptidão técnica. Para fabricar o produto, fundação precisaria firmar parcerias
A Fundação Ezequiel Dias (Funed), instituto de pesquisa vinculado ao governo de Minas Gerais, tem potencial e capacidade científica para produzir e envasar vacinas contra a Covid-19, a exemplo do que estão fazendo o Instituto Butantan, com a Coronavac, e a Fundação Oswaldo Cruz, com a vacina da AstraZeneca, em parceria com Universidade de Oxford.
A Funed é uma das principais instituições de saúde pública do Brasil. Em 2020, forneceu cerca de 18 milhões de doses da vacina contra a meningite C para o Ministério da Saúde, da qual é a única fornecedora.
A fundação também produz soro antiofídico, usado no tratamento de picadas de serpentes peçonhentas. Além disso, também é a única produtora no Brasil do medicamento talidomida, usado no tratamento da hanseníase, lúpus e Aids. Foram 500 mil comprimidos produzidos no ano passado.
“A Funed recebeu, há alguns anos, um investimento de infraestrutura e montou uma unidade fabril extremamente moderna e apta à produção de imunobiológicos. Essa fábrica já existe, ela tem equipamentos muito modernos, apropriados para produção de vacinas. O que a Funed faz aqui é o envasamento das doses. Mas ela tem a infraestrutura montada para poder produzir vacinas inclusive para a Covid-19”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da UFMG, Flávio Fonseca.
Ele explica que no caso do Butantan e da Fiocruz, o governo de São Paulo e o governo federal, respectivamente, fecharam acordos com laboratórios estrangeiros que transferiram a tecnologia para a vacina ser envasada no Brasil. O Butantan, por exemplo, envasa a Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac.
“A Funed é a mesma coisa. Ela precisa, neste momento em que nós não temos uma vacina desenvolvida no país, que o governo tome a iniciativa de trazer um parceiro para que essa vacina possa ser envasada”, diz Fonseca.
Ele cita uma iniciativa de pesquisadores de todo o Brasil junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia chamada “Rede Vírus”, por meio da qual já foi discutida a possibilidade de usar o parque fabril da Funed para produzir testes e vacinas contra a Covid-19, se em algum momento for desenvolvida uma vacina brasileira. “Até mesmo no contexto nacional já se sabe desse potencial da Funed de oferecer seu parque fabril. Mas ainda não houve a iniciativa de trazer esses contratos”, complementa o professor.
A UFMG tem ajudado a Funed na realização dos testes de diagnóstico da Covid-19. Na visão do professor Flávio Fonseca, um dos empecilhos para a instituição ajudar na produção de doses de uma vacina para a Covid-19 não é a capacidade técnica ou estrutura da fundação estadual, mas sim a ausência de mão de obra.
“A parte que faz o diagnóstico da Covid-19, por exemplo, são tão poucas pessoas trabalhando que não tem gente suficiente para fazer a aliquotagem (separação) das amostras para enviar para a UFMG para a universidade ajudar mais. Não é que eles não tenham capacidade técnica. Eles têm capacidade técnica, muita gente boa, mas isso esbarra no fato de que está faltando gente para trabalhar”, aponta Fonseca.
Ex-ministro ressalta capacidade
Ex-ministro da Saúde na gestão de Lula, entre 2006 e 2007, e, depois, interino na gestão de Dilma Rousseff em 2016, o pesquisador da Fiocruz Agenor Álvares destaca a capacidade da Funed para produzir vacina.
“Em termos de ciência, de produção, não tenho dúvida de que a Funed poderia ter se incorporado a esse processo (de produção de vacinas no Brasil). Talvez não com uma produção tão grande como pode ser ofertado pela Fiocruz e pelo Butantan. (Mas) a Funed tem condição. Se ela produz uma vacina como a da meningite e produz o soro antiofídico, ela tem condição de produzir essa vacina”, diz Álvares.
O pesquisador já foi diretor da Anvisa e superintendente da Funed no passado e faz a ressalva de que a articulação com outros laboratórios para a produção da vacina poderia ter sido planejada.
“Isso poderia ter sido conversado lá no início, quando o Brasil começou a fazer esse esforço, considerando que quem está produzindo essas vacinas são dois laboratórios públicos, Butantan e Fiocruz, que têm uma relação muito forte com a Funed. Inclusive, no caso de alguns produtos, já há o compartilhamento da produção entre a Funed e essas instituições”, completou.
Órgão diz que iniciou negociação para fazer imunizante
Em nota, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) informou que está em contato com empresas para negociar o desenvolvimento e a produção de vacinas contra a Covid-19.
“Foram assinados memorandos de entendimento para projetos de fornecimento de vacinas e transferência de tecnologia. Em relação à comparação com os institutos como Fiocruz e Butantan, é importante ressaltar que ambas as instituições já produziam produtos semelhantes às vacinas, ao contrário da Funed, que não tinha em seu portfólio produto semelhante”, aponta o texto enviado à reportagem.
A fundação também afirma possuir duas fábricas para a produção de “medicamentos biológicos injetáveis” e que uma delas está tendo a capacidade utilizada para a produção da vacina contra a meningite C.
“Essa mesma fábrica está recebendo a transferência de tecnologia das demais etapas da produção da vacina MenC. Diante da situação de emergência sanitária, alternativas para contribuir com o fornecimento de vacina anti-Sars-CoV-2 vêm sendo avaliadas. Cabe ressaltar que qualquer adequação em uma unidade fabril para a produção de vacinas precisa estar alinhada com a tecnologia e o processo produtivo desta vacina”, explica a nota.
A Funed destaca ainda que diferentes vacinas exigem tecnologias distintas de produção: “Há vacinas de tecnologias diferentes em discussão que requerem estruturas de produção também específicas. A implantação de uma linha de produção de vacina contra a Covid-19 pela Funed depende desse conhecimento robusto do processo produtivo do imunizante a ser produzido”.
“A necessidade de plataformas de produção de vacinas para esse momento e em eventuais epidemias está posta, e a Funed vem se preparando para isso e buscando a discussão necessária para sua consolidação como fabricante público no atendimento de tais demandas emergenciais ou da rotina de vacinação”, complementa a fundação, em nota.
C/ O Tempo